quarta-feira

Contando tempo

Sempre que me proponho a contar para alguém próximo a sorologia, fica um sentimento muito ruim. Esse sentimento dura alguns dias e é como se eu tivesse que lidar novamente com um processo de descoberta. A descoberta do outro.
É sempre difícil, não importa a situação, falar sobre o HIV e questões relativas à contaminação.  Ontem falei para mais uma pessoa. Ultimamente ela tem sido a única pessoa, juntamente com minhas sobrinhas, que consegue me transmitir alguma motivação para viver. Sinto uma energia muito boa que vem da mesma. Compartilhei pensando que desta forma pudesse auxiliá-la a lidar com uma situação difícil. Grande engano... agora ela terá que lidar com duas situações difíceis.
A verdade é que nestes últimos dias tenho sofrido muito. Minha instabilidade emocional tem me corroído e pouco desejo e energia de vida têm restado dessa confusão.
Os medos que cercam o processo de contar são os mesmos que me motivam a ficar protegido numa bolha, fora do contato social. Lamentavelmente isso não é possível, embora eu acredite que seria muito mais fácil. O ser humano é, por natureza, um ser sociável.
Ela falou palavras bonitas que lamentavelmente não fazem muito sentido pra mim. Vejo tantos relatos de pessoas que começaram uma “nova vida”, buscaram viver intensamente cada instante. Comigo tem sido diferente. Não consigo ver nada de positivo que não seja a própria presença do vírus. Não me tornei uma pessoa melhor, não sou mais feliz, não vivo intensamente, nem mesmo tenho tido desejo de viver.
A minha esperança é que essas sensações sumam de minha vida em duas horas e eu tente prosseguir a sobrevida, como lamentavelmente tem sido cada letra dessa palavra. Amanhã talvez a tristeza volte e o blog continua como válvula de escape. Enquanto houver sobrevida esperança. Esperança no tempo, "compositor de destinos"!


4 comentários:

Raphael Martins disse...

Vc ta certo. Nao devemos perder a esperança. E essa música é ótima. Essa Rita me surpreendeu. Abcs, sumido.

FOXX disse...

espero que um dia vc possa aprender a controlar essas sensações mesmo, acho q este é o jeito de ser feliz, de verdade, é se libertar dos desejos que tivemos e conseguir aceitar o que temos e ainda agradecer pelo q temos, deixando as coisas ruins passarem por nós.

S.A.M disse...

Eu te leio e vejo que a soropositividade nos dialogos toma sempre um papel central. Voce precisa fazer a Nina e dizer "agora eu sou a madame e você é minha empregadinha... e agora você vai me chamar de senhora" e mostrar quem é que manda! haha

Ok, vou ser mais simples: por mais que a gente planeje várias coisas a longo prazo na vida e que isso possa a vir a interferir, curta mais a vida.
Ela é muito curta e você não deve desperdiçar seus dias fazendo da aids um papel principal. Sabe esse pessoal que se descobriu soropositivo e resolveu aprovitar a vida sem limites? Eles viram que ela pode passar num piscar de olhos e resolveram fazer o que os poetas nos dizem a séculos mas nunca fazemos por medo dos outros! Aproveitar, sem limites!

Beijo querido!

Uma Cara Comum disse...

Cada um tem seu tempo para se encontrar.

Eu vivo dizendo isso aqui pra vc: vc tem direito de viver sua dor, de dar a ela a dimensão e o espaço que ela tem em sua vida. Negar que ela existe não vai te levar a lugar nenhum. MAS não quero dizer com isso que vc deva cristalizar-se num eterno sofrer/lamentar, porque isso também não vai te levar a lugar nenhum.

As vezes te vejo tão frágil, às vezes tenho uma admiração enorme pela tua força...

Vai caminhando, procurando o teu equilíbrio nessa corda bamba e se lembrando sempre que vc tem com quem contar, se vc quiser!

Um grande beijo e muita paz pra vc!