domingo

Desistindo dos Antirretrovirais



- Quando estou puto e de saco cheio paro de tomar a medicação.
- Ok, você tem esse direito. Mas onde você quer chegar? O que vai mudar com isso? Isso vai tirar o vírus do seu cotidiano por um curto período, mas não vai mudar nada. Tome puto, ou não. Escolher viver requer sabedoria para administrar alguns sentimentos. 



Já conversei com algumas pessoas que em momento de desespero pararam com a medicação. Outras quando percebem alterações corporais fazem a mesma coisa. Mas infelizmente essa atitude não ajuda a diminuir os problemas da vida com HIV por mais que possa trazer um falso alivio psicológico. Pelo contrário, em menos de uma semana o vírus volta a se reproduzir de uma forma assustadora, podendo trazer num período relativamente curto o fim da vida.
O coquetel permitiu um controle maior do vírus e obviamente também traz algumas consequências, afinal não é fácil lidar com os colaterais. Às vezes eles só se manifestam nos exames alterando algumas taxas, o que exige do soropositivo uma vida que inclua alimentação saudável e atividades físicas. Essa mudança de comportamento auxilia do controle das taxas e retarda o aparecimento da lipodistrofia.
Não vou dizer que nunca pensei em parar de tomar a medicação. Isso já veio um milhão de vezes na minha cabeça, especialmente nos dias mais difíceis e solitários. Especialmente quando me percebo diferente.
Retornei ao médico da lipodistrofia na semana passada. Comparando os dados com o da última consulta não ocorreu nenhuma alteração grave. Aparentemente está tudo bem. Mas a forma como me percebo mudou. Minha autoimagem e autopercepção as vezes é distorcida por pensamentos automáticos que tenho conseguido controlar de forma eficaz.
Como eu faço esse controle? Sempre que percebo que meus pensamentos destrutivos se aproximam de mim (às vezes ocorre no espelho, às vezes ouvindo uma música, no banho, enfim... a tristeza não escolhe hora nem lugar) eu canalizo minha energia para minhas ações cotidianas. Tenho ocupado todo meu tempo livre com muitas atividades que variam de esportes ao lazer. Isso tem me feito muito bem, além de boas trocas de olhares para massagear o ego.
Não espero o fim de semana para me divertir. Hoje não recuso mais convites. Tento fechar a porta pra tristeza. Não na tentativa de fugir dela, mas na tentativa de elaborar os pensamentos que são sempre os mesmos nestes quase dois anos de HIV.
Para você que está pensando em parar com a medicação considere as seguintes observações:
1)      Quase sempre você terá que voltar a tomar antirretrovirais para continuar vivo;
2)      Conheço alguns casos que foram irreversíveis, que abriram oportunidades para doenças oportunistas que te deixam cego, surdo, doenças de pele, etc.
3)      Dependendo da situação, seu esquema não será mais suficiente para controlar o vírus, sendo muitas vezes necessário trocar de esquema – ou seja, possibilidade de novos colaterais (como os do início da medicação).
4)      O fato de parar com a medicação não reduz alguns efeitos colaterais como lipodistrofia, glicose alta, etc.
5)      Não vai mudar sua situação sorológica.
 Excetuando-se os casos de indicação médica, alergias, etc, nunca pare de tomar a medicação. Lembre-se que milhares de pessoas na África e em muitos países de outros continentes gostariam de ter a oportunidade de viver e simplesmente morrem por não terem acesso ao tratamento.
Se tiver triste ou pensando nesta possibilidade, converse com seu médico, psicólogo, amigo, me escreva! A vida sempre será mais forte que a Aids!

8 comentários:

Math disse...

A vida, sempre é mais forte do que qq coisa...

Abraços.

FOXX disse...

vc é uma lição de vida, sem sombra de dúvida.
deixo um abraço pra vc.

Raphael Martins disse...

Não desista, nunca...

Três Egos disse...

Um texto incrível!

Abraço!

Fernando Munhoz disse...

Qualquer dia desses quero entrevistar você... Acho seus textos incríveis e tenha certeza que não apenas os soropositivos mas, pessoas que enfrentaram a depressão, como eu, sentem-se motivadas por você. Bjão e se cuide sempre.

Carlos Roberto disse...

Confesso que encontrei seu blog pelo fato de estar caçando alguns sites interessantes. Numa primeira olhada o que me chamou a atenção foi o fato de você ser soropositivo e manter este espaço pessoal. Logo depois li esta postagem e a terminei no mais absoluto silêncio, pois fiquei sem palavras.

Sei que o texto destina-se a um leitor bem específico, mas digo-lhe de coração que as suas intenções de ajuda podem auxiliar muitas pessoas. Na verdade eu creio que você já saiba disso e que tenha ajudado a muitos. Estamos num mundo cujo caos torna-se o desespero de muitas pessoas que desistem da condição da vida. É tão comum você encontrar alguém em depressão e tão raro achar alguém alegre hoje em dia.

Se for valer de alguma coisa, lhe dou meus parabéns pelas suas ações, palavras e preocupações! Adorei seu espaço e vou adicioná-lo, com toda certeza, a minha lista de leituras obrigatórias que possuo no meu bloguinho DCNA. Parabéns mesmo!!!

Anônimo disse...

oi, Vc ja ouviu falar do suplemento mineral Selênio? parece que é muito recomendado para controle pelo hiv.
abc

Anônimo disse...

Depois de 21 anos de "portador de Aids" de vários problemas de saúde causados pelos antirretrovirais e não pelo retrovírus hiv, de várias interrupções no tratamento e por ter ficado 3 anos com Cd4 39 (trinta e nove) e não pegar nem gripe, diminuir colesterol e triglicérides, controlar glicose, limpar o fígado que estava com esteatose hepática grau 3, deixar de ter depressão e síndrome do pânico, recuperar a estabilidade emocional e ter realmente qualidade de vida, meus conceitos sobre o terrorismo emocional de infectologistas mudou muito. Pode ser que eu seja um caso fora do comum e não seja o exemplo a ser seguido, entretanto, penso que muita coisa é omitida por interesses comerciais e em benefício próprio. Já ouvi tanto coisas do tipo "você vai ter pneumonia e vai morrer" e outras coisaa que náo aconteceram. Talvez eu tenha a sorte de reagir diferente na evolução da infecção pelo hiv. Agora, morrer todo mundo vai! independente de doença, inclusive o infectologista e o dono do laboratório. É isso.