sábado

Mãe, eu falhei!

Fujo enquanto posso dos meus compromissos. Não tenho tido muita vontade de trabalhar nem de estudar. Tenho enrolado, como posso, ambos. Resolvi me dar esse tempo. É difícil engolir a seco a notícia do HIV. “Dê tempo ao tempo!” O tempo... está nublado e as horas não passam desde abril. As vezes é como se uma nova vida tivesse surgido. Aliás, surgiu uma nova vida... a SOBREVIDA. Acho esse termo horrível, mas é o que a medicina considera quando se refere ao tempo de vida após a notícia de uma doença grave. Tenho alguns meses de sobrevida e espero ter muito mais.
Tenho lido depoimentos de outros positivos falando que passaram a se cuidar mais depois da doença. Comigo tem sido diferente. Especialmente essa semana. Tenho bebido mais do que deveria, fumado mais do que preciso (inclusive canabis) e cheguei ao ápice das drogas essa semana... cheirei. Não gosto de cocaína e sempre evitei a mesma, mas essa semana numa data especial fiz o uso. Só me serviu pra perceber o quanto estou me autodestruindo. Felizmente não tive bad no dia seguinte.  Já fazia muito tempo que não usava. Não gostei e não pretendo repetir.
É como se eu estivesse buscando um lugar seguro. Um porto talvez. Quero sair dessa realidade e criar novas, mesmo que sejam temporárias, mas que possam por alguns minutos me tirar do lugar que estou.
Tenho sentido falta de colo, de carinho. Se eu pudesse falar com minha mãe... mas isso é impossível. Ela é a mais dramática das pessoas que conheço. Hipocondríaca, e viciada em médicos ela sempre cuidou muito de mim e meus irmãos. Lembro me que uma vez ela chegou em casa muito chorosa e abatida. Eu perguntei o que estava acontecendo. Ela me contou que um grupo portadores de HIV tinha visitado seu local de trabalho. Ela ficou muito preocupada comigo, especialmente por ser gay, e me fez prometer que eu sempre me cuidaria. Eu prometi a ela que isso nunca aconteceria, e a partir de então comecei a me cuidar muito mais do que antes e a fazer exames de rotina. Fracassei nessa promessa e me culpo até hoje por isso. No dia das mães foi difícil olhar nos olhos dela. Mais difícil foi suportar seus elogios, se referindo ao meu trabalho. Minha vontade era falar: “Eu não quero ser elogiado, mãe. Eu fracassei!” Pablo falou que esse tipo de coisa não dá pra prometer e que não devo me sentir mal por isso. Mas tenho uma certeza: não quero que ela saiba... NUNCA. 


3 comentários:

Amigo disse...

Nossa! Esse texto me tocou muito. Não querer que sua mãe participe desse momento da sua vida é um direito seu, assim como escolher como lidar com a realidade. Porém vejo que tomou algumas atitudes drásticas, algo comum em situações de medo e desespero, mas que podem ter conseqüências danosas para a sua saúde. Refiro-me a práticas, que devem ser evitadas, pelo menos em excesso, independendo da existência de doenças crônicas. Talvez a constatação de ter se excedido seja o que faltava para implementar mudanças. Se bem que você não parece ser uma pessoa tão óbvia ou fácil de convencer. O que dificulta algumas coisas.

Anônimo disse...

Passo pelo mesmo drama de contar ou não contar para mim mãe, acredito que ela não mereça ouvir que tenho HIV. Como foi muito duro para eu ouvir, minha mãe não tem base para aceitar.

Fabrício Oliveira disse...

Nossa... muito forte isso. Te entendo perfeitamente. Eu já nem pensei duas vezes. Como recebi a notícia internado, contei a ela assim que a vi. Ainda bem, pois não sei como teria sido suportar isso sem ela.