segunda-feira

Fluir


O que falar quando a palavra é calada pelo sentimento de opressão profundamente silenciado pela falsa aparência de que se está tudo bem. E se estivesse realmente tudo bem? Qual o problema de ficar confortável com o que se é? Por que tem que estar sempre a beira de transformações trans-seuntes? Talvez por ser isso-eu-superego, diria Freud.

Algumas perguntas não tem uma resposta muito fácil, especialmente quando se está a beira de uma caótica vivência em que tudo, absolutamente tudo transforma, transgrita, transcende o tempo todo.
Não existe um caminho único de viver e sentir o que ocorre. Ao escrever não sei exatamente o que ocorre. Sinto profunda sensação de apatia. Talvez tenha sido a defesa possível diante de tudo.

A resistência é movimento. Paralisia é fraqueza. Não é a toa que as mobilizações sociais transcorrem em movimentos – movimento em resposta ao HIV, movimento negro, movimento em defesa das mulheres, movimento trans, movimento feminista. O conservador paraliza. É hora de fluir, com o que se é, com o que se tem. Não há tempo para ficar deitado conservando o que não nos serve mais. Não se pode mais perder oportunidades de compartilhar energias, sentimentos e pensamentos. Não há economia que se sustente em auto-bloqueios.

Fluir impera e isso remete a entrar em contato com o que se é, com o outro, com a vida, com os acontecimentos e com o que se vive socialmente por mais doloroso que seja. Não há tempo para defesas psi. O universo clama. Não há pílula mágica para o que ocorre. Sabemos o não saber.  As pessoas estão morrendo, florestas estão sendo queimadas, dores de todas as formas emergindo. Os controladores estão soltos e com eles todas as artimanhas de manipulação de mentes. Mas estão em outro tempo. Será o último de seus gritos. Não passarão!

Ouvi por aí que não se prende uma ideia. Existe uma multidão de sementes nas cabeças progressistas, amorosas, que trazem uma potência gritante para um novo que nasce. Ouvi por aí que semelhantes curam semelhantes. Somos o que somos.

Esse é um não texto. Junção de palavras que não queriam ser ditas mas não cabem mais serem guardadas. É uma tentativa de fluir. Não desperdice sua energia sexual! Flua. Conecte-se com seus arrepios. 



domingo

Uma entrega para a Lua

Uma entrega para a Lua 

Primeiro grande eclipse do ano (Eclipse Lunar em 20-01-2019). Dia de entregar o que não nos serve mais.


Sinto que preciso entregar minha apatia, projeções, comparações com pessoas que amo, julgamentos contra os que me ensinam. Entrego todas as vezes que não fui capaz de aprender nas relações humanas. 

Quero entregar para a lua meu sentimento de inadequação. Quero entregar o sentimento de que estou sendo observado a todo tempo. Isso me faz querer entrar em modelos que me impedem de ser o que sou. 

Quero entregar minha indisciplina, rebeldia, pouca entrega, medo, desconfiança que apareceram em todas as minhas escolhas espirituais. Quero entregar para sempre!!! Quero deixar ir todos esses pontos, especialmente os inconscientes – quando ajo sem reconhecê-los.

Quero deixar ir todas as vezes em que não consigo escutar alguém, quando sou enganado por pensamentos sexuais – desejando homens de forma inconsciente e aleatória – quase como objetos. 

Entrego as vezes em que surgiram pensamentos de controle do pensamento/comportamento do outro, de tentativas de controle de meus próprios pensamentos – julgando-os e – por isso – fixando neles. 

Entrego meu autojulgamento. 

Entrego todas as vezes que maltratei a natureza – especialmente quando joguei consciente e inconscientemente pensamentos de baixa vibração em meus semelhantes homo sapiens. 

Entrego meu desejo de poder, de ser paparicado, sentimentos de superioridade, e todas as vezes que permiti a prepotência sucumbir a minha potência. Entrego minha prepotência.

Entrego todos os meus esquecimentos, minhas ausências, todas as vezes em que embarquei em meus pensamentos durante conversas, virando as costas para o outro mesmo olhando em seus olhos. 

Entrego as vezes que não fui capaz de me deixar ser desejado. As vezes que agi como adolescente tímido. Todas as vezes que fugi dos homens que desejava fortemente usando a apatia como escudo. 

Entrego a minha fuga da vida, a apatia em todos os níveis e todos os corpos. Entrego para sempre essa fuga. Entrego a minha preguiça, imobilidade e paralisações. 

Entrego todos os momentos em que deixei de dizer “sim” quando a alma queria. Entrego toda palavra “não dita” quando a alma gritava. Entrego todas as consequências das vezes que não me comuniquei como queria. 

Entrego todas as vezes que deixei de amar por medo. 

Entrego a expectativa. Todas as vezes que esperei algo na relação com o outro e – distraído – me perdia em criações mentais de expectativas. Entrego todas as vezes que perdi presentes do universo que é o outro por não estar presente. 

Entrego o medo da minha potência. Entrego o medo da entrega. 

Entrego, Entrego, Entrego...


segunda-feira

O Segundo Armário ganha versão impressa





Escrito sob o pseudônimo Gabriel Abreu, a versão impressa de “O Segundo armário: diário de um jovem soropositivo”, de Salvador Correa, foi baseada no ebook homônimo lançado em 2014 e que hoje está entre os 10 primeiros em download na categoria LGBT de ebooks gratuitos na Amazon do Brasil. A edição da Editora Autografia, no entanto, conta com novos textos, ainda mantendo aqueles retirados do seu blog exatamente como foram escritos.
Nessa autobiografia, Salvador mostra seus medos e preocupações ao descobrir que é portador de HIV e como aprendeu a lidar com isso em uma coletânea de textos escritos para seu “diário virtual”, que iniciou em 2011. Começou o blog por necessidade de desabafar e organizar seus pensamentos, pois sentia que não poderia conversar sobre o assunto com as pessoas que mais amava. Salvador então diz ter se escondido em um “Segundo Armário” (considerando que o primeiro foi a homossexualidade), criando um nome fictício para que suas publicações permanecessem anônimas.
Quer conhecer o livro? Disponível para compra em: http://goo.gl/chxJCL
Depois de viver situações de discriminação por causa de seu diagnóstico, o autor percebeu que era preciso fazer alguma coisa para despertar no outro algum interesse e envolvimento pela causa. Com apoio e motivação que encontrou no e-mails que recebia de seus leitores, Salvador decidiu que era hora de publicar seus textos e mostrar para a sociedade a importância do combate ao estigma e discriminação no que se refere ao HIV.
Se antes se escondia dentro de seu segundo armário e escrevia textos carregados de tristeza e melancolia, hoje Salvador lida melhor com a situação e vive abertamente com seu diagnóstico. Esse amadurecimento é perceptível em sua obra, que ao final traz textos mais alegres e com um resgate de seus projetos de vida. “A forma como hoje eu lido com o HIV e a transformação dessa experiência em militância certamente resultam, em partes, desse processo [de amadurecimento]”, conta o autor.
Fonte: Blog Autografia 

quinta-feira

Discriminação no serviço público: o que fazer?



Você conhece alguém que sofreu discriminação por ter HIV em serviços públicos e não sabe o que fazer? Seguem algumas orientações importantes para você falar com quem precisa dessa ajuda:

1) Assistência jurídica - vai te permitir rever os danos (Morais, materiais...) de atitude discriminatória: Você talvez precise de um advogado. Através da defensoria pública de sua cidade, ou também faculdades de direito - que costumam disponibilizar esses serviços. Saiba que existe uma lei Nacional que te protege e vale a pena você imprimir e levar, confira: Lei 12.984/2014
2) Denúncia ao Conselho de Ética - vai permitir com que outras pessoas não passem pelo mesmo constrangimento. Através do Conselho Regional de Odontologia/Medicina/enfermagem/Serviço Social/ Psicologia (ou outro dependendo do profissional que te discriminou). Nesses conselhos regionais você entrará com um processo ético (não necessita de advogado), e o Conselho fará alguma intervenção (orientação ou punição) para evitar essa atitude novamente por parte d@ profissional denunciad@
3) Denúncia aos órgãos públicos responsáveis pelo serviço - permitirá dados para um aprimoramento dos serviços públicos e também deverão prover atendimento imediato para você. Inicialmente, no próprio serviço, você deve contatar @ gestor@/administrador@ para fazer a denúncia e cobrar soluções. Você pode também recorrer à secretaria municipal/estadual responsável pelo serviço (saúde, assistência social, educação, habitação, etc - muitas possuem um serviço de ouvidoria para esses casos). Você pode ainda recorrer à ouvidoria Nacional que é mediada pela ONG Pela Vidda Niterói - ouvidoria.gpvnit@gmail.com - e assim o ministério da saúde poderá ter ciência do fato.

Seu sigilo deve ser garantido em todas as opções acima. Lembre-se sempre: "Ninguém vale a lágrima da rejeição".

domingo

#PrimeiroAssedio


Um dos movimentos interessantes do mundo virtual é quando as vozes se unem pra clamar mudanças. Lendo as postagens #primeiroassedio, especialmente a de uma amiga, percebi que era hora de dar minha contribuição para esta questão e ao mesmo tempo tirar um pouco dessa pressão no peito, o lugar do silêncio a que todos somos empurrados para viver. Não, não precisar ser assim, falar deve ser sempre uma opção.  

Eu tinha cerca de 10 anos de idade. Fui apenas brincar com meu vizinho. De repente, num intervalo da brincadeira seu pai me chama pra conversar a sós.  Fui sem entender exatamente o que estava acontecendo. De repente ele baixa o zíper e me manda segurar seu pau. Fiquei com medo e uma sensação muito ruim. Ele: “é grande, né?! Chupa!”. Eu comecei a falar que queria ir embora e um pequeno pânico e medo me tomaram, mas não foram suficientes para me deixar quieto. Sabia que sua esposa estava no andar de baixo e qualquer grito de socorro poderia despertar a atenção dela, e também da minha família. Ele me deixou sair tentando me convencer de que nada havia acontecido. Sua esposa viu meu desespero ao sair, e insistiu para que eu contasse o que havia ocorrido. Falei. E ela me pedia insistentemente para nunca falar nada a ninguém.

Nessa época, mesmo se quisesse ter contado aos meus pais, desabafado para minha irmã, ou qualquer amigo, ficava em silêncio pela possibilidade de ser vítima de homofobia também. A opção foi engolir a sensação e chorar quieto pelos cantos da casa, inventando qualquer desculpa para o choro.

Depois, já adulto, recebi um abraço, que naquela época não pude ter. A sensação de ter sido abusado se repetiu num assalto que desmaiei e acordei na beira-mar em Copacabana com as calças parcialmente abaixadas. Fui ao meu infectologista, e aparentemente nada havia acontecido, mas seguimos com profilaxia de sífilis. Todos os exames que seguiram essa situação não apontaram nada. Não houve sangramento, e muito provavelmente não aconteceu o abuso, mas a sensação foi muito ruim.  Como se eu revivesse a situação de anos atrás, seguida de outras muitas violências. Tive um colo para chorar, que foi muito importante para mim naquele momento – e continua sendo por muitas outras razões.

Hoje busco o motivo de ser tão fechado para amores e possibilidades. A cicatriz que ficou foi um bloqueio, uma espécie de proteção, que por vezes me confina e afasta das pessoas. Há muita vida lá fora, e a porta começa a se abrir.


terça-feira

Do lado de fora do armário

A saída do Segundo Armário 

Apenas agora, quatro anos após o diagnóstico, resolvi falar abertamente sobre essa vivência. O que quero dizer é que o Gabriel passa a conviver agora com o Salvador. Não preciso mais de um codinome para minha própria história. Embora reconheça a importância do Gabriel durante todo esse processo.

Muitos motivos me levaram a querer sair efetivamente do segundo armário. No decorrer desses anos, percebi que tanto o blog quanto o livro possuíam um potencial grande para produzir no outro possibilidades de identificação. Nesse sentido recebi muitos e-mails e contatos de pessoas recém diagnosticadas, mães que descobriram que seus filhos possuíam o vírus, namorados com dúvidas e tantos outros. Do lado de fora do armário tenho a sensação de poder contribuir mais. Percebi ainda, que muitos amigos que até então não pensavam tanto sobre o HIV, começaram a fazer o teste e a buscar alguma forma de prevenção. Alem desses motivos, já não conseguia mais produzir uma entrega parcial. Eu precisava estar inteiro nas minhas ações, no meu trabalho, nas minhas relações e nas minhas vivências. Nunca consegui me acostumar com a ideia de que não posso revelar que tenho o vírus em função do estigma. As pessoas falam quando são diabéticas, tem câncer, dor de cabeça, sinusite etc. Por que eu não posso falar que tenho HIV? O armário confina e limita e com isso alimentava cada vez mais monstros e me poupava de muito amor, carinho e a real percepção do que é solidariedade. Não quero dizer que tod@s devem revelar sua sorologia. Cada um sabe o seu momento e a melhor forma de viver esse processo.

Quando postamos algo no Facebook é como se o mundo inteiro ficasse sabendo. A sensação é a de que revelei o vírus durante um capítulo final de novela das 9h. Isso porque boa parte das pessoas que mais importam estão ali: familiares, amigos e colegas.

No decorrer desses quatro anos muita coisa aconteceu em minha vida. Não que seja o fim de um processo, mas certamente uma etapa vencida. Hoje o vírus não me impede de ser feliz, nem de correr atrás dos meus sonhos. Muito pelo contrário, ele traz a possibilidade de me recriar novos olhares para o mundo. 

As lágrimas dos últimos dias foram de felicidade, por sentir nas palavras dos MEUS (familiares, amigos, colegas e desconhecidos) muito amor e muito carinho. Não quero que ninguém se entristeça com meu passado, mas que de alguma forma possamos juntos ter novos olhares acerca desse vírus. Acima de tudo desejo muito que possamos juntos lutar contra a face mais cruel do HIV, que durante décadas vem se reproduzindo da forma mais mortal na cabeça de muitos via: preconceito e discriminação. 

Não tenho palavras pra relatar o amor recebido nesses últimos dias. Quero muito, algum dia, poder retribuir isso de alguma forma. Obrigado por vocês existirem e por fazerem parte da minha vida! 



sexta-feira

A vivência da PEP - Profilaxia Pós exposição


Desde o início desse ano estou numa relação. Ele não tem o vírus, mas eu resolvi abrir o jogo e falar que eu sou soropositivo para HIV desde o primeiro dia. Dessa forma evitaria qualquer situação mais complicada no futuro.
Era para ser uma relação sexual como qualquer outras, mas quando demos conta tivemos um pouco de penetração sem o uso do preservativo. Como minha carga viral é indetectável (e por isso as chances de transmitir o vírus são baixas) acabamos relaxando um pouco mais. Entretanto, eu fiquei muito tenso e conversei com ele sobre a importância dele fazer a PEP. Decidimos que essa seria a melhor opção. Fomos juntos à sua consulta para a PEP exatamente no lugar onde eu me trato, explicamos o que ocorreu, refez o exame (negativo) e iniciou a PEP – acordando que voltaria após um mês para refazer o exame para HIV. Durante esse processo ele me escreve:

“Imo. Âmago. Posto pra fora. Vivenciar o mal estar, os arrepios, a toxicidade, as contorções involuntárias do piloro. Em meio a todo o caos, a letargia reina. Um viver em sofrimento, em sofrência, em sofreguidão. Respirar é complicado, deitar é complicado, ficar em pé é complicado, pensar é complicado demais para os reles mortais. Nunca mais digo que é so um remedinho. Ou que é igual diabetes. Jamais algo comparável nesse sentido. Nunca mais forçar uma brincadeirinha agora faz todo o sentido do mundo. Uma experiência única e um aprendizado pra vida. A mensagem é que um “não” quer dizer “não”, e uma hora de prazer não valem um mês da sua vida sob efeito colateral. Ou quem sabe o resto dela. E não se passa mal em silêncio, começam a brotar as faltas eventuais ao trabalho, atrasos por não conseguir acordar para a vida na madrugada, comentários morais maliciosos em detrimento ao eventual etilismo. E pra piorar não te deixam cursar com a fitoterapia alternativa. A falta de ar começa a ser psicológica além da física. Dorme, acorda, come, reza, dorme. Como manter o silêncio sobre a real situação ao seu chefe? Alegar acidente biológico no trabalho? Mais trabalho ainda. Porque não fez o CAT? Mentir jamais, omitir se possível. Evita o tropeço nas próprias pernas. E em casa? Não mãe, eu não estou me embebedando diariamente, só não quero te falar algo sigiloso da minha relação interpessoal com seu futuro genro incrível maravilhoso que ao menos conheces ainda. O alinhamento cósmico esteve falho. Não pretendo apresentá-lo a ti pelo estigma. Mudamos de assunto, deve ser só uma virose. Que desculpa irônica.

Em menos de uma semana de uso da medicação ele abandonou a PEP, mesmo contra minha vontade – não suportou conviver com os colaterais similares ao início do tratamento. Não suportava lidar com ânsias de vômitos e desconforto estomacal.
Um mês depois do fato ocorrido foi na sua última consulta como planejado e fez mais um exame: negativo para HIV. Foi só um susto (e muita experiência)!




O que é a PEP?

PEP significa Profilaxia Pós-Exposição. É uma forma de prevenção da infecção pelo HIV usando os medicamentos que fazem parte do coquetel utilizado no tratamento da Aids (Zidovudina + Lamivudina) , para pessoas que possam ter entrado em contato com o vírus recentemente, através da exposição ocupacional, no caso de profissionais de saúde ou pelaexposição não ocupacional (sexual), ocorrida em casos de sexo sem camisinha ou de violência sexual. Esses medicamentos, precisam ser tomados por 28 dias, sem parar, para impedir a infecção pelo vírus, sempre com orientação médica.

Saiba mais: http://www.giv.org.br/HIV-e-AIDS/PEP-Profilaxia-P%C3%B3s-Exposi%C3%A7%C3%A3o/index.html

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