sexta-feira

Família X Contar


Embora estivesse com medo de recebê-la, confesso que não está sendo tão difícil quanto pensava. Talvez a parte de tomar a medicação escondido seja o momento mais tenso disso tudo.
Ela já chegou querendo cuidar da “cria”. Começou a arrumar minha casa, me arrumar e manter afagos e carinhos que só uma pessoa especial com o título de mãe pode fazer. Confesso que minha casa está se transformando num espaço bem mais limpo, onde nem a poeira escondida embaixo de algum móvel tem seu espaço.
Sem falar na comida de mãe. Não tem igual. Aos poucos vou esquecendo o segredo tão temido de ser revelado, que por vezes se expressava cada vez que a olhava. Ainda sinto um certo desconforto em omitir algo tão grave e tão sério da pessoa mais importante da minha vida. Acredito ser melhor assim. Por que permitir esse sofrimento se posso poupá-la?
Os dias vão passando e a convivência com o HIV vai se tornando menos insuportável, pelo menos na atual fase da minha vida. Não penso que isso seja definitivo, nem que tenho isso resolvido dentro de mim, quero apenas curtir o momento e evitar pensar nessa anomalia que habita em mim.
Questionamentos de como me contaminei e suposições acerca disso ocasionalmente se mantém vivos. O terrível pensamento “se eu pudesse voltar no tempo” encontra o espaço pra me torturar. Acho que a culpa será uma amiga de longos anos, e só é amenizada quando lembro do valor que a camisinha sempre teve pra mim. Certamente minha vida não é mais a mesma. Carrego um estigma dentro de mim, e não posso revelá-lo.
Por que não contar para a família? A reação. Todos, sem exceção,  apresentam um olhar de tristeza, e pena que é tão terrível quanto a própria contaminação. Com o tempo esse olhar tende a diminuir, mas desaparecer nunca. É como se o HIV fosse uma espécie de filho e o “como você ta?” significa “como vai o HIV?”.  Ele se torna tão importante quanto eu. Adquire um valor na minha vida que eu acho que ele não merece.
De alguns amigos suporto esse olhar, de outros não quero nem escutar falar sobre, mas alguns poucos são capazes de não expressar o estigma que carrego. Ganhei um sobrenome, casei com o HIV.
Especialmente por esse motivo não quero falar com minha família. Sou motivado por pessoas que convivem a quase 10 anos com esse monstro (sim, monstro em todos os sentidos) e mantém isso no mais absoluto sigilo.  A gente vai levando...

"A gente vai dourando essa pílula!"

11 comentários:

FOXX disse...

pois é, isso é algo pessoal, vc tem o direito de revelar qndo e se quiser...

Fred disse...

Tá. Mas e "não contar" não é uma forma de alimentar o "monstro"?!?? Eu acho que o (teu) momento vai chegar. Hugzão, man!

Uma Cara Comum disse...

Nessa aí vc é quem vai saber onde o calo aperta... hehe... Abraços!!!

DO disse...

Nada como o tempo pra ir diminuindo o tamanho do fardo.Tenho certeza que vc vai tomar a melhor decisão sobre o contar ou não contar. No momento,permita-me dizer,creio que o melhor mesmo é vc se fortalecer com a "novidade". Depois vc vê...
Abração!

Ro Fers disse...

Não se culpe pelo acontecido...
Porém contar ou não aos familiares, eu concordo com o Cara Comum...
Analise os pontos positivos e negativos...
Forte abraço!

Anônimo disse...

Oi sou mulher, 32 anos.
sou soropositivo ha 10 anos, tb não tenho coragem de contar pra minha familia, nem para meus amigos tenho medo do preconceito mesmo, nunca falei sobre isso com ninguem apenas com minha medica.
Tenho uma vida normal, trabalho, vou a academia, amo dançar, mas não gosto de baladas, prefiro lugares tranquilos,minha carga viral e otima, ainda não preciso tomar nenhum remedio, mas me sinto muito solitaria, tenho medo de me envolver com pessoas por medo que elas saibam, gostaria muito de conhecer pessoas do sexo masculino acima de 40 anos solteiro, divorciado ou viuvo que tb sejam soropositivas e se sintam solitarias assim como eu.
Se alguem tiver interessado poste seu email nessa pagina que eu vou estar olhando todos os dias.
Um abraço! Engrandecido seja "Deus".

tecas disse...

Nada melhor do que refletir se deve ou não contar. Aos escrever os seus sentimentos e receios no seu blog,é um acto de coragem. Não se deve culpar pelo acontecido. Nem dê importância aos olhares e perguntas que lhe possam fazer. Um sorriso é a melhor resposta. Tenho uma grande admiração pela sua pessoa, pela forma como escreve.
Um grande abraço, desta amiga além oceanos...que poderia ser sua mãe:)

Lobo disse...

Realmente, é uma coisa muito pessoal. Mas só cuidado para a motivação não se sobrepor a sua vontade.

Me identifico muito com a parte da mãe deixando o Ap um brinco... pena que aqui em casa a arrumação não dure uma semana XD

Beijos!

Três Egos disse...

Cada um tem seu tempo e, principalmente, cada um tem suas costas que sabe o peso que pode carregar. Os olhares de dó matam qualquer um, acho qeu são os piores.

Grande abraço!

Fred disse...

Vamos atualizar ou estamos muito ocupados galinhando, hein? Olha que sou ciumento, visse?? Bobeia eu já chamo o espírito de porco, tzá? Hahahahahahaha! Hugzão!

S.A.M disse...

"Ele se torna tão importante quanto eu. Adquire um valor na minha vida que eu acho que ele não merece." Adorei essa citação.

Então, O Cara Comum tocou no ponto certo: cada um sabe onde o calo aperta.
Voce certamente conhece a sua mãe melhor do que ninguém, tem de se avaliar se sua vida será melhor ou pior contando e outra, a possível reação dela.

Se fosse o meu pai por exemplo eu jamais poderia falar porque além de ele não me ajudar em nada, tornaria como você exemplificou 'o HIV maior que você mesmo'.

Nem todo mundo tem uma mentalidade aberta, acho bom mesmo avaliar.

Beijao